Segundo Santo Tomás de Aquino, a epiqueia é a capacidade de agir com justiça quando a letra da lei não contempla todas as circunstâncias. Trata-se de discernir quando seguir estritamente a regra gera injustiça, e quando a realidade pede uma adaptação inteligente.
Jesus mesmo alertou os fariseus: “Vocês pagam o dízimo da hortelã e do cominho, mas negligenciam a justiça, a misericórdia e a fidelidade” (cf. Mt 23,23). Em outras palavras: a lei existe para servir ao homem, e não o contrário.
Assim também fez o tenente Moura. O regulamento prescrevia um caminho; a realidade exigia outro. Sua obediência à lei superior — a da vida e da prudência — garantiu sua sobrevivência.
O Jeitinho Brasileiro e a Sabedoria da Água
Muitos associam a palavra “jeitinho” à trapaça. Mas existe uma forma virtuosa de sagacidade: a capacidade de contornar obstáculos com criatividade, de buscar soluções sem atrito desnecessário.
Esse “caminho da água” é exatamente o que Aristóteles chamava de phronesis (prudência) e Santo Tomás consolidou na epiqueia. Não se trata de desrespeitar a lei, mas de respeitar algo maior: a realidade concreta.
Os Três Frutos da Epiqueia
- Respeito à Realidade Respeitar a lei maior da justiça, sem ficar preso a uma regra que, aplicada cegamente, gera injustiça. É a humildade de reconhecer que a vida é mais complexa do que qualquer manual.
- Eficácia nas Decisões Como no caso do piloto brasileiro ou do seminarista que pulou a janela para não perder a aula em Roma, a epiqueia nos ensina a encontrar soluções práticas em vez de ficarmos paralisados pela rigidez.
- Liberdade e Coragem Agir de forma criativa diante do inesperado nos liberta da postura de vítima. Como o administrador infiel da parábola (Lc 16,1-8), Jesus não elogia sua desonestidade, mas sua esperteza para não se entregar à derrota.
A Epiqueia no Nosso Dia a Dia
Talvez você nunca precise escapar de nazistas, mas certamente já se viu em situações em que a regra parecia inadequada. O sinal vermelho às 4h da manhã em uma rua deserta e perigosa, a necessidade de flexibilizar um procedimento rígido para proteger alguém ou até a escolha de uma palavra sábia em vez de seguir o protocolo.
Esses momentos pedem epiqueia: discernir a exceção, sem perder de vista o valor maior da justiça, da caridade e do bem comum.
Um Chamado à Sabedoria Cristã
Na raiz, a epiqueia nos convida a viver a mesma liberdade dos Magos que, avisados pelo anjo, não voltaram a Herodes, mas seguiram outro caminho (Mt 2,12). Trata-se de obedecer não à tirania das circunstâncias ou à rigidez inflexível, mas à voz de Deus que conduz pela realidade concreta.
A vida cristã exige tanto fidelidade às leis quanto abertura à realidade viva e concreta onde o Espírito Santo nos guia. Entre a rigidez e a trapaça, há um caminho de sabedoria: a virtude da epiqueia.
Perguntas Frequentes (FAQ)
1. A epiqueia é desobedecer às leis?
Não. É respeitar o espírito da lei quando a letra, sozinha, não contempla a realidade.
2. Qual a diferença entre epiqueia e malandragem?
A malandragem busca vantagem egoísta; a epiqueia busca o bem justo diante de situações excepcionais.
3. Existe base bíblica para essa virtude?
Sim. Jesus corrigiu os fariseus justamente por seguirem a lei de forma cega, esquecendo a misericórdia e a justiça (cf. Mt 23,23).
4. Como aplicar isso na vida pessoal?
Com prudência, discernindo se quebrar uma regra em determinada situação preserva valores maiores como a vida, a justiça ou a caridade.
5. Por que a epiqueia é tão atual?
Porque vivemos em um mundo de complexidades que nenhuma lei prevê totalmente. Essa virtude nos torna mais humanos, respeitosos e eficazes.
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